Testemunho da Mariana

Tudo começou há 15 anos, no dia 12 de Junho, tinha eu 6 anos. Até este dia era  "uma criança normal", alegre, irrequieta. De então para diante a minha vida mudou por completo, tendo passado a ser uma criança prostrada, sossegada, mas no entanto sempre alegre!

Quando naquele dia cheguei a casa, queixei-me à minha mãe  que me doía o punho direito. Achando estranho, a minha mãe levou-me ao médico. Não era partido nem nada de «grave». De volta a casa deixei-me dormir no sofá (coisa rara!) e comecei a ter febre. Entrou o fim-de-semana e eu cada vez pior, a dor já me afectava também o outro punho e a febre era cada vez mais alta. No início da semana fui ao H. D. Estefânia onde, no fim de muitos exames, e em menos de um mês me foi diagnosticada a artrite crónica juvenil.

Durante a fase inicial da doença, a nível físico, fui afectada muito rapidamente em todas as articulações, essencialmente as mãos, que foram ficando deformadas, mas também a coluna cervical, tendo perdido grande mobilidade e sentindo um cansaço enorme no andar.  

A nível psicológico, como criança de 6/7 anos, "sofri" bastante, porque tive de deixar de fazer ginástica (que eu adorava) e certas brincadeiras (mas como tinha amigas fantásticas "adaptámos" as brincadeiras às minhas possibilidades físicas).

Aos 12 anos tive uma outra crise, a mais forte. Deixei por completo de andar, porque me afectou os pés e os joelhos. Como não conseguia andar era o meu pai que andava comigo às "cavalitas", fui a Londres, o que não valeu muito a pena (já temos bons especialistas cá) fizemos de tudo para eu voltar a andar! Nesta fase fui-me bastante "abaixo" porque tive que deixar a escola e as amigas. Perdi o 7º ano, por ter faltado o 2º e 3º períodos. Ao fim de quase um ano, com a grande ajuda dos meus pais, médico, fisioterapeutas e da minha grande força de vontade, voltei a andar, correr, saltar!...

Em Março de 98 fiz uma operação plástica á mão, para "esticar" os dedos (sinovectomias, prótese e artodese) e imobilizar o punho (artrodese).

Agora aos 21 anos, deparo-me com outros problemas. Sou "praticamente" uma jovem independente, estou a fazer Matemática do 12º ano, trabalho com os meus pais (no computador, faço cartas, propostas e desenhos em AutoCad). Tenho o meu carro, os meus amores e desamores, saio com amigos etc... Apesar disto tudo tenho algumas dificuldades provocadas pela doença, tais como calçar meias, atar sapatos, abrir certas portas ou torneiras, ou apanhar objectos do chão.

Nunca me senti discriminada ou inferiorizada por ter esta doença, porque sempre fui uma pessoa muito optimista, esperançosa e conversadora. No entanto, no ano passado aconteceu uma coisa que me deixou muito triste: ia entregar os pré-requisitos para me poder candidatar a uma faculdade e não me aceitaram os papéis por alegarem que eu era deficiente! Realmente foi como se "o Mundo tivesse desabado aos meus pés".

Em relação ao que penso serem os problemas mais ou menos gerais de todos os jovens com ACJ é que como vivemos numa sociedade muito preconceituosa e egocentrista, os nossos problemas e "complexos" devem-se essencialmente a esses factores. É o caso da aparência, pois "temos incutida" a ideia de que o homem e a mulher "perfeitos" são os ideais, os "normais" e os melhores em tudo.

Outro aspecto é que por vezes temos necessidade de usar certos utensílios que facilitam imenso a nossa vida diária, tais como engrossadores de talheres, um "prolongador" para apanhar coisas do chão, talas etc.. No caso das talas, quando se usam na rua, há uma forte tendência para as pessoas olharem muito e perguntarem: "O que é que tem? Magoou-se?" e outras coisas do género. Será preocupação ou curiosidade a mais? Será que não podemos ter os nossos objectos pessoais sem que os olhares nos caiam logo em cima?

Outro exemplo é quando vamos a subir/descer dos transportes públicos (o que é extremamente difícil), umas simples escadas, passagens estreitas, etc. Há logo pessoas cheias de pressa: "Deixem passar! Importa-se de se despachar?". Será que não conseguem ver que muitas vezes aqueles que os estão a "incomodar" têm dificuldades e certamente já estão a fazer um esforço enorme para conseguirem fazer o que estão a fazer, quanto mais serem rápidos!...

Temos ainda outras preocupações comuns a todos os jovens. O futuro: porque que curso optar? Nem sempre podemos escolher o que gostamos mas sim o que as nossas capacidades permitem. Em relação á família, será que vamos conseguir fazer uma vida "normal", ter filhos?..

É claro que como todos os jovens tenho os meus sonhos para o futuro. Quero tirar o meu curso de terapeuta da fala, casar, ter filhos, ser feliz!

Mas a vida de um doente com ACJ não é feita só de problemas, temos as nossas alegrias, rimos como todos os outros e somos felizes tal como somos!

Deixo um conselho a todos os jovens com ACJ: apesar do sofrimento que possas ter, não te "encostes", luta, ganha força de vontade, que só assim consegues vencer tudo isto! O fundamental, o mais importante e o melhor que existe é a Vida! Podes não ter mais nada, mas só pelo facto de teres vida, já tens motivo mais que suficiente para existir e lutar, porque não te esqueças que é o maior bem que te deram! Por isso vive a tua vida todos os dias, da melhor maneira que puderes...!  

Mariana Pinote, (aos 21 anos)  (Membro da Direcção da ANDAI)

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