Anti Inflamatórios Não Esteróides nas DRCJ
Anti-Inflamatórios Não Esteroides
no tratamento das Doenças Reumáticas Crónicas Juvenis
As artrites e outras doenças reumáticas crónicas juvenis acompanham-se frequentemente de dor e inflamação das articulações ou de outras estruturas afectadas do aparelho locomotor, como os tendões, ligamentos e músculos.
O alívio da dor é um dos objectivos mais importantes do tratamento destas crianças. Para tal utilizam-se medicamentos analgésicos, que por vezes são suficientes com essa finalidade.
Entre os analgésicos encontram-se como mais importantes, e também mais utilizados, o Paracetamol (Ben-U-Ron®, Panasorbe®, Panadol®, entre outros) e o ácido acetilsalicílico em doses baixas (20 a 50mg/Kg de peso corporal/dia; Aspirina®, Lisaspin®, Aspegic®, entre outros) que podem ser suficientes para tratar a febre e também as dores articulares, quando não existe inflamação significativa das estruturas afectadas.
Estes medicamentos têm escassos efeitos secundários, podendo contudo o ácido acetilsalicílico, mesmo nestas doses baixas, causar dores de estômago ou náuseas, ou desencadear crises de asma, em crianças mais susceptíveis.
Contudo, quando a dor é provocada por uma inflamação importante das articulações, os analgésicos simples não são suficientes e nesses casos temos que recorrer à utilização de medicamentos mais potentes no tratamento da inflamação, que têm a designação genérica de Anti-Inflamatórios Não Esteroides (AINEs).
Estes medicamentos são bem mais eficazes e têm também mais efeitos secundários que importa conhecer.
O mais antigo dos AINEs é o ácido acetilsalicílico, que tem efeito anti-inflamatório em doses situadas entre os 80 e os 120mg/Kg de peso corporal da criança/dia. Conhecido há mais de 100 anos (desde 1889) é o medicamento anti-inflamatório utilizado há mais tempo, tendo sido durante muitos anos o único medicamento aprovado nos Estados Unidos da América para o tratamento de crianças com Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) .
Nas doses anti-inflamatórias este medicamento pode causar dores abdominais, náuseas, vómitos, perda do apetite, hemorragias nasais, úlceras de estômago ou do duodeno, com ou sem hemorragia digestiva, precipitar crises de asma, levar a graus moderados de inflamação do fígado, e provocar salicilismo (intoxicação pelo ácido acetilsalicílico, quando a sua concentração no sangue é superior ao desejável, manifestada por tonturas, dores de cabeça e zumbidos dos ouvidos).
Claro que a maior parte destes efeitos secundários indesejados do ácido acetilsalicílico surgem raramente, sendo contudo relativamente comum a presença de algum grau de desconforto gastro-intestinal. O ácido acetilsalicílico é por este motivo cada vez menos utilizado no tratamento das artrites juvenis, tendo um papel residual nos tempos que correm.
Outros AINEs foram surgindo ao longo dos anos, desde a fenilbutazona e a oxifenilbutazona (já afastadas do mercado farmacêutico nacional devido aos seus efeitos secundários, mas que eram medicamentos muito potentes na sua acção anti-inflamatória), a indometacina (Indocid®, entre outros), ainda com alguma utilidade na AIJ Sistémica (também para o tratamento da febre) e nas Espondiloartropatias juvenis (outra forma de artrite da infância e adolescência) – a indometacina tem vindo também a ser menos utilizada na criança devido à frequência elevada dos seus efeitos secundários (dores abdominais, úlceras gástricas e duodenais, falta de apetite, dores de cabeça, tonturas, depressão).
Entre o início da década de 80 e meados dos anos “90” foram introduzidos no mercado farmacêutico vários (mais de 50!) AINEs também potentes mas com menos efeitos secundários, alguns dos quais se tornaram muito populares no tratamento das crianças com doenças reumáticas crónicas.
Dentre eles destacam-se o Naproxeno (Naprosyn®), o Ibuprofeno (Brufen®), o Diclofenac (Voltaren®, Olfen®, Flameril®) fármacos bastante eficazes, mas que mantêm, embora com menor frequência, os efeitos secundários gerais apontados anteriormente para outros AINEs.
Apesar dos seus potenciais efeitos secundários, estes AINEs são muito úteis no tratamento das crianças com doença reumática crónica, constituindo, até ao presente, a principal arma terapêutica para, a curto prazo, debelar os sintomas principais da inflamação nas crianças e jovens atingidos por estas doenças.
É importante lembrar que os efeitos secundários indicados surgem em menos de 20% das crianças. Devemos pois estar muito atentos a eles e o jovem, ou os pais, devem referir ao médico qualquer sintoma que lhe pareça poder ser devido ao tratamento com estes (ou outros) medicamentos.
Mais recentemente, outros AINEs, designados por "inibidores específicos da COX-2" surgiram no mercado. Os medicamentos anti-inflamatórios têm efeitos terapêuticos parecidos e efeitos secundários idênticos, porque todos diminuem a inflamação através do bloqueio de uma enzima que a causa. Essa enzima chama-se Ciclo-Oxigenase (para abreviar os cientistas chamam-lhe COX) descrito no início dos anos “70” por um cientista Inglês – Sir John Vane – que recebeu o Prémio Nobel por esta descoberta.
Até há pouco tempo pensava-se que existia apenas uma destas enzimas no nosso organismo. Mas no início da década de “90” verificou-se que existiam duas COX, uma que existia sempre no organismo e tinha funções úteis a COX1 (protege o estômago, aumenta a circulação renal, ajuda a função das plaquetas, etc) e outra que surge principalmente nas zonas inflamadas, sendo uma das principais causas da inflamação e das dores articulares nas crianças (e adultos) com doenças reumáticas crónicas – a COX2.
Os medicamentos AINEs existentes até ao fim dos anos “90” actuam todos indiscriminadamente sobre a COX1 e sobre a COX2, reduzindo a inflamação por inibirem a COX2 e causando os efeitos secundários gastro-intestinais mais frequentes por inibirem a COX1.
A partir desta descoberta foi possível tentar desenvolver medicamentos que bloqueassem a produção de COX2 (a enzima que causa a inflamação articular), mas não interferissem com a produção de COX1 (que está presente sempre no indivíduo saudável e tem funções protectoras do organismo).
No fim do ano de 1999 foi comercializado nos Estados Unidos da América o primeiro AINE inibidor específico da COX2 (ou seja, que na dose que é administrado tem efeito anti-inflamatório e analgésico, por inibir a COX2, e não tem nenhum efeito detectável sobre a COX1). Pouco tempo depois outro medicamento similar foi introduzido no mercado. Estes medicamentos têm a vantagem potencial de serem anti-inflamatórios e analgésicos e provocarem escassos efeitos secundários gastro-duodenais (não aumentam, ou aumentam pouco, a frequência de úlceras gástricas, quando comparados com o placebo).
Estes dois medicamentos – duma família de AINEs nova, designada por Coxibes - são o Celecoxib (Celebrex®) e o Etoricoxib (Arcoxia® Exxiv®). Outros medicamentos desta família encontram-se em fase de estudo. OA existência de efeitos secundários cardivasculares destes medicamentos em doentes de risco tem levado a que a sua utilização seja menos frequente do que se perspetivava há alguns anos, sendo uma alternativa terapêutica possível para doentes com risco de efeitos secundários gastro-intestinais e com baixo risco de efeitos adversos cardiovasculares.
Se o seu filho está a tomar este tipo de medicamentos, informe-se sempre junto do seu reumatologista da melhor altura de os tomar: se antes ou após as refeições; se é necessária ou conveniente a protecção gástrica com outro medicamento, de modo a prevenir efeitos secundários graves.
Se surgirem sintomas gastro-intestinais inexistentes antes, mesmo que não lhe pareçam relacionados com os medicamentos, não deixe de os relatar ao seu Reumatologista. Lembre-se que nas crianças os sintomas de úlcera ou inflamação gástrica ou duodenal nem sempre são iguais aos do adulto; a criança pode ter apenas falta de apetite muito acentuada ou náuseas, e por vezes uma dor nas costas pode ser um sintoma de doença do estômago causada pelos AINEs.
J,A, Melo Gomes
Médico reumatologista
Presidente da ANDAI