Testemunho da Vera

 Testemunho da Vera

É com muito gosto que me disponibilizo a participar como colaboradora desta iniciativa. Por um lado, porque desempenho funções de psicóloga educacional num Serviço de Psicologia e Orientação de uma Escola Básica onde temos como aluna uma jovem de 14 anos com artrite juvenil e, por outro lado, porque sou tia de uma criança com 2 anos e 9 meses portadora da mesma doença.

Na realidade são dois papéis muito difíceis de desempenhar, quer quando estou em contacto com uma aluna da minha escola portadora desta doença, a Carina, quer quando estou com a minha sobrinha, a Catarina, pois o distanciamento de sentimentos, inerentes à minha actividade, perante a Carina é quase utópico e a necessidade de racionalizar o problema da Catarina não passa de uma tentativa (quase sempre falhada, diga-se de passagem…).

Contudo, e apesar de estar em permanente conflito com os meus papéis, o de tia e o de profissional, considero que ambas as minhas experiências acabam por se complementarem, permitindo uma visão mais abrangente do ponto de vista do desenvolvimento físico e psicológico da problemática em questão.

Assim, quando estou com a Carina consigo, sem esforço acrescido, criar empatia e perceber quais são as consequências do ponto de vista mais funcional da sua doença, pois o conhecimento das dificuldades físicas da Catarina está presente. Quando estou com esta, a compreensão do ponto de vista psicológico das dificuldades que a nossa família sente, proporcionam uma compreensão mais abrangente do caso da Carina, uma vez que os condicionantes que afectam o equilíbrio afectivo e relacional da Catarina ainda não são muito significativos, devido à sua tenra idade.

Tais dificuldades repercutem-se muito mais na família nuclear em si, pois existem certos acontecimentos que afectam, significativamente, o ciclo vital familiar e um dos factos que terá um maior e mais profundo efeito neste ciclo é, sem dúvida, ter um filho portador da doença crónica e aprender a conviver com isso e fazer o luto da situação. Com efeito, a família, além de ter de enfrentar as mesmas pressões sociais e os mesmos receios que as famílias “normais”, ainda têm se debater com as contrariedades e problemas inerentes à educação de uma criança doente.

É fundamental que tenhamos conhecimento da realidade do sistema educativo, pois isto nos dá alguma segurança em relação à educação, no sentido de que nada seja negligenciado do ponto de vista de uma aprendizagem mais inclusiva. É aqui que reside o maior contributo que a Carina proporciona a Catarina…
Assim, partindo do pressuposto de que é mais fácil perceber quais são as consequências do ponto de vista funcional da doença, uma vez que são visíveis e concretas, será meu objectivo dar ênfase a alguns pontos acerca da escola inclusiva, uma vez que os alunos com doenças crónicas (e outras, diga-se de passagem...) são muitas vezes rotulados do ponto de vista dos seus comportamentos como "preguiçoso" ou "mimados".


Nas nossas escolas existem inúmeras crianças com o que designamos por crianças com necessidades educativas especiais (NEE). Estas crianças podem apresentar problemas de carácter intelectual (deficiência mental), de carácter sensorial (deficientes visuais e auditivos), de carácter processológico (dificuldades de aprendizagem), de carácter emocional (psicoses e problemas graves de comportamento), de carácter motor (distrofia muscular, espinha bífida, etc.). É aqui que se situam as crianças com doenças reumáticas juvenis. Tais crianças podem e devem beneficiar de algumas medidas de regime educativo especial que se encontram descritas no Decreto-Lei 319/91, nomeadamente:

  1. Equipamentos especiais de compensação: adaptadores, cadeiras de rodas, equipamento informático, auxiliares ópticos;
  2. Adaptações materiais: eliminação de barreiras arquitectónicas (ter a preocupação de colocarem estes alunos em salas do rés-do-chão), adaptação do mobiliário;
  3. Adaptações curriculares: ao nível da educação física, por exemplo, em vez do aluno participar em jogos colectivos em situação dinâmica, poderá aprender técnicas específicas do jogo em situação estática;
  4. Condições especiais de avaliação: neste caso específico, os alunos têm o direito de serem avaliados prioritariamente pela vertente oral do que pela escrita, uma vez que o esforço para escrever é muitas vezes acrescido devido à falta de firmeza nas mãos e dedos. O tempo é outro factor de grande importância pois estes alunos são, na sua maioria, mais lentos pelo que mais tempo para a realização dos teste ou testes mais curtos, são outras estratégias a adoptar.
  5. Adequação na organização das turmas: o número de alunos não pode ser superior a vinte.

Assim, apesar de muitos alunos que apresentam artrite reumatóide terem aprendido a adaptarem-se ao seu meio, o professor pode ajudar a criar na sala de aula, um ambiente que dê resposta às necessidades específicas destes alunos, tanto ao nível educacional como físico. Na realidade, ao nível tecnológico, existem vários dispositivos que podem revelar-se consideravelmente úteis para estes alunos. No entanto, estes dispositivos podem originar determinadas situações que não podem ser ignoradas pelo professor.


Se um aluno tem de recorrer a uma cadeira de rodas ou se usa quaisquer outros mecanismos de apoio, a sua deslocação pode não ser fácil. Por essa razão, dever-lhe-á ser concedido tempo suplementar, quando tem se deslocar de um local para o outro. Dependendo de cada caso em particular, nesta situação um ou outro aluno pode proporcionar o apoio necessário, ou até mesmo um auxiliar de educação educativa (direito do aluno). No entanto, é de notar que, em muitos casos, esse apoio não é necessário ou, então, não é bem recebido, pelo que os desejos do aluno em causa devem ser respeitados. Estes alunos desejam ter sucesso mas também desejam ser o mais independente possível.


Finalmente, existe um ponto que não deve ser descurado e que prende-se com o facto de que antes da colocação do aluno no seu grupo-turma, a directora de turma deve transmitir aos restantes alunos informações precisas acerca da artrite reumatóide, pois apesar de nunca dever ser esquecido o direito à privacidade que o aluno tem, o professor deve facultar informação de carácter geral acerca da problemática em questão, de forma a permitir que os restantes alunos ultrapassem quaisquer medos ou alterem concepções incorrectas que possam ter. Estes alunos devem pois ter consciência, tanto dos pontos fortes como das limitações de um aluno com dada problemática. Levar os colegas a participar em actividades em que são simuladas várias problemáticas, dá-lhes a oportunidade de melhor compreenderem um aluno com NEE tem de enfrentar. Aos alunos, deve também ser dada a oportunidade de tomar contacto com a biografia de indivíduos com NEE que alcançaram sucesso. Para tal, podemos recorrer a livros, filmes e outros materiais audiovisuais que retratam a vida dos indivíduos que ultrapassaram a sua condição.


A interacção positiva entre alunos com e sem NEE, depende da atitude do professor e da sua capacidade de promover um ambiente educativo positivo. Uma forma de o conseguir, reside no recurso à aprendizagem cooperativa, propiciadora de interacções em pequenos grupos. Um ambiente de apoio e inter-ajuda é conseguido quando todos cooperam para atingir objectivos de grupo e quando todos se preocupam, em primeiro lugar, com o sucesso do grupo como um todo.
Para concluir, gostaria de agradecer esta oportunidade para poder partilhar um pouquinho do que faço, disponibilizando-me para futuras contribuições.

Um abraço!
Drª. Vera Santos (Psicóloga da Escola EB 2,3 de Apúlia - Esposende)

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