Adolescência e Sexualidade

sexualidade                                                       

           Adolescência e Sexualidade

 

 

 

Os jovens com doenças reumáticas infantis podem ter ainda maior dificuldade em enfrentar as crises da adolescência. O impacto da doença nos outros, a não aceitação do aspecto pessoal, a diminuição de auto – estima podem levar a situação de isolamento ou de rejeição da doença, para as quais é preciso estar sensibilizado.

A descoberta do sexo oposto, da sexualidade e do amor são aspectos inerentes ao crescimento do ser humano, muito importantes nesta fase.


Nessa medida, os pais devem dar a devida atenção também a estes aspectos, ajudando o doente a esclarecer as suas dúvidas, nomeadamente com o reumatologista que o segue.


O namoro, o casamento e a própria concepção são assuntos importantes para os jovens que devem ser informados dos efeitos adversos da medicação que tomam (nomeadamente em casos de gravidez) e das dificuldades que poderão encontrar, sem lhes negar o direito de fazer as suas escolhas.

 


Doenças Reumáticas e Gravidez

As doenças reumáticas, principalmente as doenças inflamatórias crónicas do tecido conjuntivo, caracterizam-se pelo predomínio do sexo feminino e início em idade jovem. A Artrite Idiopática Juvenil é um exemplo destas doenças, mas outras também se podem iniciar numa idade fértil, tais como o Lúpus Eritematoso Sistémico, a Artrite Reumatóide, a Esclerodermia e a Dermatomiosite.
Estas jovens mulheres, por vezes exprimem a sua preocupação em relação a três aspectos: a fertilidade, a influência da gravidez na sua doença e a influência da doença e o tratamento na evolução da gravidez e no feto. Estes aspectos são, em seguida, discutidos de forma sucinta.
 
1. Fertilidade
As várias doenças reumáticas não afectam a fertilidade das jovens portadoras. Nos EUA, realizou-se um estudo em que os autores verificaram que 1/3 das mulheres com Artrite Idiopática Juvenil têm filhos por volta dos 20 anos, idade sobreponível à observada na população em geral. A única excepção parece ser a Esclerodermia, a infertilidade é três vezes mais frequente que na população em geral. Todavia isto não é um dado consensual e Giordano em 1985 não o comprovou no seu estudo. A fibrose, que é característica desta doença, pode afectar o aparelho reprodutor e deste modo seria responsável por este problema de fertilidade.
 
No Lúpus Eritematoso Sistémico a actividade da doença pode interferir com a fertilidade. Durante os períodos de maior actividade da doença há uma disfunção ovárica, que se traduz em amenorreia transitória. Uma vez controlada a doença desaparece este distúrbio.
 
Alguns fármacos utilizados no controle da doença podem interferir com a fertilidade. O principal exemplo é a ciclofosfamida. A insuficiência ovárica precoce tem sido descrita em 27 a 41 % das mulheres submetidas a este tratamento. Os factores de risco são a idade de início do tratamento, a dose cumulativa e o grau de supressão medular. A sulfassalazina pode provocar oligospermia no jovem submetido a este tratamento, mas é reversível logo após a sua interrupção.
 
Muitos dos aspectos reprodutivos estão dependentes da acção de prostaglandinas. O uso de anti-inflamatórios não esteróides no modelo animal induz infertilidade. Na literatura médica há alguns casos descritos de distúrbios da fertilidade relacionados com o uso de piroxicam, naproxeno e diclofenac. Estes desaparecem com a descontinuação do anti¬-inflamatório não esteróide. O uso de inibidores da COX-2 determina igualmente infertilidade, a qual é reversível após a sua suspensão.
 
2. Influência da gravidez na doença
A exacerbação da doença durante a gravidez é uma questão difícil de responder. Isto porque cada doente é um doente e cada doença tem o seu comportamento típico. Antes de falar do comportamento da doença reumática durante a gravidez é importante relembrar que a gravidez induz alterações no corpo da mulher as quais permitem o desenvolvimento de um novo ser vivo, sem que ocorra um fenómeno de rejeição. Estas alterações são múltiplas, incluindo hormonais e imunitárias.
 
A Artrite Idiopática Juvenil caracteriza-se por uma melhoria clínica durante a gravidez. Cerca de 60% das mulheres com doença activa descrevem uma remissão clínica. Há a recidiva da doença no período pós-parto em 50% das mulheres. A exacerbação da doença no período pós-parto foi mais frequente nas mulheres que têm doença activa antes da gravidez, naquelas que tiveram exacerbação da doença em gestações prévias e na mulher que amamenta. Uma revisão recentemente publicada sugere que a maioria das mulheres, com Artrite Idiopática Juvenil têm uma gravidez que decorre sem intercorrências.
 
Cerca de 70% das mulheres com Artrite Reumatóide referem melhoria da artrite durante a gravidez. Esta se inicia durante o 1º trimestre e mantém-se durante toda gravidez. Há por vezes remissão completa dos sintomas. Todavia a evolução pode ser flutuante e por vezes há necessidade de usar analgésico para alívio sintomático. Em mais de metade dos casos há recidiva no período pós-parto, nas oito semanas seguintes. Esta recidiva não é influenciada pela amamentação. Embora o grau de inflamação possa ser mais grave, comparativamente ao existente antes da gravidez, na maioria dos casos o quadro clínico é idêntico ao anterior. A doença tem um comportamento idêntico, em próximas gestações.
 
No Lupus Eritematoso Sistémico '(LES) a exacerbação da doença é comum, todavia a sua frequência varia entre 8-70%. Nos estudos em que houve comparação simultânea com mulher não grávida, a taxa de exacerbação foi sobreponível. Num estudo que fiz no HSM em 1994, das 51 gestações em mulheres com LES houve exacerbação da doença em apenas oito casos (16%). As manifestações clínicas do LES nos períodos de agudização são essencialmente sintomas constitucionais, cutâneos e músculo¬-esqueléticos.
 
Em 88% das mulheres com Esclerodermia, a doença mantém-se estável durante toda a gravidez, sendo a morbilidade e a mortalidade idêntica às mulheres não grávidas. A maior preocupação no seguimento destas jovens é a crise renal.
 
A gravidez não proporciona melhoria sintomática na mulher com Espondilite Anqúilosante. Uma exacer¬bação clínica transitória é frequente.
 
A Artrite Psoriática e a Artropatia associada a doenças inflamatórias do intestino acompanha-se de uma melhoria do quadro articular.
 
3. Influência da doença na gravidez
Durante a gravidez podem surgir complicações maternas, tais como: hipertensão gestacional, pré¬-eclâmpsia, s. Hellp. na mulher com doença reumática.
Na Artrite Reumatóide, na Artrite Idiopática Juvenil, nas Espondilartropatias, a evolução da gravidez é favorável, não havendo maior risco de complicações maternas comparativamente à população em geral.
O compromisso grave das articulações coxo¬femurais ou a existência de prótese articular poderá inviabilizar o parto por via vaginal, sendo necessário realizar uma cesariana. Nestas jovens, principalmente na Artrite Idiopática Juvenil de início poliarticular ou sistémico e na Artrite Reumatóide, o compromisso da coluna cervical pode dificultar a realização de entubação oro-traqueal, no contexto de uma anestesia geral. Mas, todos estes problemas devem ser equacionados previamente à concepção, para se escolherem as melhores abordagem terapêuticas. Actualmente, muitas das cesarianas efectuam-se sob anestesia epidural, não havendo necessidade de recorrer à anestesia geral.
 
4. Influência da doença na gravidez – evolução fetal
Durante a gravidez podem surgir complicações fetais: aborto espontâneo, aborto tardio, nado-morto, atraso no crescimento intra-uterino, prematuridade, malfor¬mações fetais e Lupus Neonatal.
 
Alguns estudos sugerem um aumento ligeiro da frequência de perdas fetais (aborto espontâneo, aborto tardio, nado-morto) na Artrite Reumatóide e na Artrite Idiopática Juvenil. No entanto, esta conclusão não é consensual. Deste modo, vários autores concluem que estas doenças não determinam complicações fetais.
 
Há um trabalho recentemente publicado, no qual os autores demonstram que as crianças de mães com poliartrite activa durante a gravidez tem um baixo peso à nascença comparativamente com a população saudável. Todavia os resultados não foram muito díspares, como se constata nos valores apresentados que foram de 3,34+0,53 Kg e 3,52+0,39Kg, respectivamente nos recém-nascidos de mães com poliartrite e de mães saudáveis.
 
Os filhos de mulheres com Espondilite Anquilosante e HLA-B27 podem vir a ter a doença, em cerca de 10% dos casos, mas unicamente se forem HLA-B27. Se a criança não for HLA-B27 o risco não é diferente da população em geral.
 
5. Fármacos e a gravidez
Durante muitas das gestações de mulheres com doenças reumáticas há necessidade de usar fármacos para controlo da doença. É óbvio que por vezes surjam dúvidas em relação à sua continuação durante a gravidez, pelos eventuais riscos fetais.
 
Os anti-inflamatórios não esteróides (AINE's) são os fármacos mais usados na prática clínica do reumatologista. Em experimentação animal está descrito um possível efeito teratogénico, que não tem sido referido na prática clínica. O seu uso não é isento de riscos, devido à sua acção na inibição da síntese das prostaglandinas, o qual pode determinar o encerramento precoce do canal arterioso, com persistência da circulação fetal, o prolongamento do tempo de gestação e do trabalho de parto. Há ainda o risco de hemorragia fetal e materna pela sua acção na função plaquetária. Deste modo, o seu uso deverá ser interrompido no último trimestre.
 
Os corticosteróides usados desde há muitos anos, não se acompanham de malformações fetais. No entanto, está descrita a ocorrência de fenda palatina e lábio leporino no modelo animal. Na prática clínica não tem sido descrito quadros anómalos. O corticosteróide mais utilizado é a prednisolona. Este esteróide é metabolizado pela 1113 dehidrogenase placentária no seu metabolito inactivo, não passando a barreira utero¬-placentária. Quando se pretende usar um corticosteróide que atravesse a barreira utero-placentária a escolha recai na dexametasona. O lupus neonatal com compromisso cardíaco é um exemplo desta situação.
 
Há autores que preconizam a monitorização da função da supra-renal e a exclusão de infecção em todo o recém-nascido cuja mãe esteve sob corticoterapia durante a gravidez. Na maioria das situações reumatológicas esta atitude é desnecessária, pois as doses efectuadas são de 5 a 10 mg por dia e sob esta dose não há aumento da incidência destas complicações na criança. Durante a gravidez a artrite pode ser controlada com corticosteróides adminis¬trados por via intra-articular.
 
O uso de antipalúdicos de síntese durante a gravidez até há pouco tempo estava formalmente contra-indicado. Os estudos publicados nos últimos anos demonstram que a sua suspensão acompanha-se de maiores riscos maternos e fetais comparativamente ao seu uso contínuo. Todavia, as mães devem ser informadas que estes fármacos podem provocar malformações congénitas e principalmente lesões no sistema auditivo. A semi-vida dos antipalúdicos de síntese é longa, pelo que a sua interrupção deve ocorrer muito antes da concepção. Actualmente muitos autores optam pela sua continuação pelo baixo risco de toxicidade fetal e pelo elevado risco de exacerbação da doença com as consequências maternas e fetais.
 
Em experimentação animal o uso de sais de ouro associou-se a malformações do sistema nervoso central. Os estudos retrospectivos publicados não demonstram um aumento da incidência de malformações fetais. No entanto o seu uso deverá ser evitado porque atravessa a placenta.
 
A sulfassalazina atravessa a placenta, mas não parece determinar um aumento da incidência de anomalias fetais, pelo que o seu uso durante a gravidez pode ocorrer. No entanto, a melhoria clínica observada durante a gravidez nas mulheres com Artrite Reumatóide e Artrite Idiopática Juvenil pode permitir a sua suspensão.
 
Os imunossupressores estão contra-indicados durante a gravidez, nomeadamente a ciclofosfamida, o clorambucil, o metotrexato, a leflunomida, a Dpenicilamina e a ciclosporina. O metotrexato é teratogénico e deve ser interrompido 3 a 6 meses antes da concepção. Durante este período a jovem mulher deve fazer um suplemento de ácido fólico para prevenir os defeitos do tubo neural. A azatioprina é um imunossupressor usado há muitos anos em algumas doenças reumáticas e que deve ser evitado. Este medicamento interfere na síntese das purinas e o seu uso pode associar-se com malformações congénitas, cromossómicas e distúrbios imunitários graves.
 
Todavia, os estudos que analisaram o seu uso durante a gravidez não demonstram um aumento da incidência de malformações congénitas. Nestes estudos não foi avaliada a sua possível acção no sistema reprodutivo e no aumento da incidência de neoplasias. Nas mulheres com síndrome de anticorpos antifosfolípidos medicadas com varfarina devem proceder à sua substituição pela heparina antes da concepção. A varfarina tem uma acção teratogénica que se exerce entre a 6a e a 12a semana de gestação. Durante o último trimestre há o risco de hemorragia fetal e materna.
 
6. Amamentação e doenças reumáticas
Os fármacos usados no tratamento das doenças reumáticas são excretados para o leite materno e daí alguns cuidados devam ser tomados para evitar a exposição do recém-nascido a estes medicamentos. Os medicamentos passam para o leite materno por difusão passiva, mas vários factores interferem neste processo: concentração sanguínea, solubilidade lípidica, grau de ionização e ligação às proteínas do leite.
Na escolha do AINE's devemos ter em atenção a sua semi-vida e optar por aquele com um semi-vida mais curta, pôr exemplo o ibuprofeno. O diclofenac tem uma semi-vida curta mas o seu metabolito activo tem uma semi-vida longa. O AINE's deve ser tomado no início da amamentação, assumindo que cada mamada tem uma duração de 20 minutos e que a próxima mamada será ao fim de 4 horas. Deste modo a criança fica exposta a uma dose mínima do fármaco.
 
O uso de corticosteróides é permitido desde que se escolha a prednisona, numa dose de 5 a 10 mg por dia. Doses superiores devem ser evitadas, pois a criança vai ter as complicações inerentes a esta terapêutica.
A sulfassalazina deve ser usada com precaução, apesar de excretada em pequena concentração. A sua ligação às proteínas poderá interferir com o metabolismo da bilirrubina. O seu metabolito, a sulfapiridina, é excretado no leite materno numa elevada concentração, mas ao contrário da sulfassalazina não interfere na ligação da bilirrubina às proteínas.
 
Os antipalúdicos de síntese não devem ser usados durante a amamentação. Cerca de um terço da dose materna passa para o leite e deste modo, a criança fica exposta a este fármaco. Os sais de ouro administrados por via intramuscular apesar de serem excretados no leite materno, cerca de 20% da dose, não são absorvidos pela criança. Mas têm sido descritos complicações na criança, daí devam ser evitados.
A D-penicilamina está contra-indicada. O metotrexato é detectado em pequenas quantidades no leite materno, mas não está indicado o seu uso durante a amamentação pelo risco de se desenvolver na criança várias complicações: imunossupressão, mielossupressão, distúrbios do crescimento e neoplasias. A mesma atitude se recomenda em relação à azatioprina.
 
7. Conclusão
A monitorização e vigilância periódica das grávidas com doença reumática, com intervenção atempada contribui para uma melhor evolução fetal e materna que se tem assistido nos últimos anos. A gravidez nestas mulheres não deve ser desencorajada. Todavia a concepção deve ocorrer durante um período de remissão clínica.
Os recém-nascidos são tão saudáveis como as outras crianças, com a mesma idade gestacional e peso, não estando descrita uma maior percentagem de anomalias congénitas. É importante não esquecer que uma criança requer muitos cuidados os quais podem aumentar o cansaço e a dor articular subjacente à doença reumática. Uns períodos de repouso adicional e a ajuda de terceiros ajudam a ultrapassar este obstáculo.
 
Dr.ª Manuela Costa – reumatologista
(adaptado do artigo Doenças Reumáticas e Gravidez – Boletim ANDAI nº6)
 

A adolescência é um período de grandes transformações e, se existir uma boa saúde física, emocional e social, é uma ajuda importante para lidar com as mudanças. Quando isso não acontece, a adolescência pode tornar-se um período mais problemático.

 

Quanto à doença crónica na adolescência, não existe consenso quanto ao verdadeiro número neste grupo etário, nomeadamente das doenças crónicas reumáticas (DCR). Estima-se que 1 em cada 10 adolescentes é portador de uma doença crónica.

 

A doença crónica (DC) pode perturbar o relacionamento social do adolescente, o seu rendimento escolar, a sua conduta perante as drogas “lícitas” (por ex. consumo de cerveja e vinho, após os 16 anos de idade, em Portugal) e ilícitas (por ex. consumo de álcool, tabaco, cannabis, ecstasy e outras drogas) e até mesmo o seu comportamento sexual; a DC pode modificar permanentemente a vida do indivíduo e requer uma constante adaptação.

O álcool é largamente tolerado num contexto social e, apesar do seu abuso levar a transformações num indivíduo, chegando a ser uma situação muito incapacitante, continua a estar presente na sociedade. O consumo excessivo de álcool e de outras formas de abuso são um problema comum em pré-adolescentes e adolescentes, assim como outros comportamentos sociais e consumos ilícitos. A adolescência, as suas alterações biológicas, psicológicas e sociais e a doença crónica influenciam-se reciprocamente, especialmente no comportamento social, sexual e rendimento académico. 

Durante muito tempo, defendeu-se que os adolescentes portadores de uma doença crónica seriam factor protector contra comportamentos de risco. No entanto, já existe muitas referências na literatura que demonstram que têm a mesma ou maior tendência para os comportamentos de risco (por ex. consumo de  álcool, hábitos tabágicos e relações sexuais desprotegidas) que os seus pares saudáveis. Esta situação pode ser explicada pelo desejo inconsciente que estes adolescentes têm de serem parecidos com os seus pares saudáveis. Apesar de estes comportamentos de risco poderem estar todos eles interligados, o consumo de álcool é uma das problemáticas da adolescência com maior impacto no funcionamento e nas consequências psicológicas e fisiológicas durante o seu consumo e após a sua supressão. 

As primeiras experiências com bebidas alcoólicas começam, muitas vezes, no ensino médio (entre os 13 e os 18 anos) e é a droga mais usada entre os estudantes desde grupo etário. Alguns estudos demonstraram que os jovens que beberam álcool antes dos 21 anos, tiveram uma tendência quatro vezes maior de desenvolver dependência de álcool e de se envolverem em violência relacionada com o mesmo, dos que consumiram durante ou após essa idade. Estes estudos sugerem que o consumo de altas doses de álcool numa idade precoce pode ter consequências neurológicas e psicológicas duradouras. 

O consumo excessivo de álcool é significativo no comportamento dos adolescentes: numa saída nocturna, aquele (binge drinking) define-se como um padrão de consumo de cinco ou mais bebidas no sexo masculino e de quatro no sexo feminino, em uma única ocasião. 

Na globalidade, a comparação dos dados sobre Portugal, no ano de 2011, com a dos outros países europeus concluiu que os indicadores sobre o consumo de álcool na adolescência, entre os 13 e os 18 anos, estão abaixo da média ou na média de outros países europeus (ou seja, existem menos consumidores adolescentes).

No entanto, no nosso país e no mesmo ano, os padrões de consumo intensivo e de embriaguez aumentaram. Estes padrões associam-se com maior frequência a mais comportamentos de risco, ou seja, uma maior probabilidade de consumo de outras drogas, também elas prejudiciais à saúde. De acordo com os dados estatísticos, em Portugal, no mesmo ano, a par do aumento dos padrões de consumo intensivo de álcool e embriaguez verificou-se aumentos relativos ao tabaco, inalantes e outras drogas ilícitas.

Os adolescentes que bebem compulsivamente ou até ocasionalmente, mas com consumo intensivo, estão mais sujeitos a acidentes de viação, a idas aos serviços de urgência por intoxicação de etanol (álcool), mais propensos a se envolverem em brigas, e ainda a outros comportamentos de risco, como é o caso das meninas serem agredidas sexualmente e estarem mais sujeitas a uma gravidez indesejada, assim como os rapazes, com o mesmo tipo de comportamento, a poderem engravidar as suas parceiras ocasionais.

O transtorno, por uso de álcool, está associado a vários distúrbios psiquiátricos, incluindo depressão, transtornos alimentares e de ansiedade. Estes  podem ser mais ou menos graves, consoante os factores genéticos poderem influenciar na absorção do álcool, no metabolismo (que é efectuado no fígado e consiste no processo de transformação do álcool em outras substâncias que depois serão eliminadas pela respiração e pela urina) e nas interacções do etanol com o cérebro.

Se tivermos em conta que os estudos que se debruçaram sobre este tema referem que os adolescentes com doença crónica têm tendência igual ou maior que os seus parceiros saudáveis para os comportamentos de risco, como é o caso do consumo de álcool, torna-se preocupante também para os jovens com DCR, como é o caso da Artrite Idiopática Juvenil (AIJ). 

Quando falamos em AIJ, devemos ter em conta que esta designação engloba várias doenças, pelo que deveríamos falar em AIJs,  pois elas diferem não só na apresentação clínica, como também no seu curso, no prognóstico e na resposta aos medicamentos. 

O tratamento das AIJs firma-se, fundamentalmente, em medicamentos que suprimem a actividade inflamatória. Sendo assim, os medicamentos mais utilizados são os anti-inflamatórios não esteróides (AINEs), nomeadamente ibuprofeno, naproxeno, indometacina, e os agentes anti-reumáticos modificadores do curso da doença (DMARDs) metotrexato (MTX), sulfasalazina e mais raramente a ciclosporina A ou até mesmo a azatioprina. Estes podem ter efeitos adversos, pelo que têm de ser geridos adequadamente pelos reumatologistas e pediatras com experiência em Reumatologia Pediátrica, durante as avaliações clínicas para controlo da doença e, ainda, através dos exames laboratoriais que os doentes efectuam regularmente.

No entanto, também é necessária a colaboração do doente evitando expor-se a riscos desnecessários, pois o consumo de álcool na adolescência, nomeadamente os padrões de consumo intensivo, são prejudiciais para a saúde. Se a esses consumos se associarem os tratamentos das AIJs ou de outra DCR, não será difícil prever que estes jovens correm maior risco de apresentar complicações.

Os efeitos adversos do álcool podem sobrepor-se aos dos medicamentos mais utilizados para controlar a doença, podendo atingir vários órgãos. O aumento das enzimas hepáticas é, sem dúvida, uma preocupação, podendo levar a uma lesão hepática aguda ou até mesmo crónica, pois esta associação pode ser tóxica para o fígado. No caso específico da fusão entre o álcool e os AINEs pode também surgir diminuição do apetite e ainda, tal como os corticosteróides (vulgarmente designados por cortisona) que se utilizam em casos seleccionados, podem inflamar o estômago podendo surgir gastrite ou úlcera gástrica. Outro exemplo é o surgimento ou agravamento das náuseas, do desconforto abdominal e da dor de cabeça, no caso da associação com a toma de MTX.

Alguns destes jovens, uma minoria, mantêm a sua doença activa apesar da terapêutica convencional de primeira linha. Deste modo, vão necessitar de uma escalada terapêutica para controlar essa actividade e preferencialmente atingirem a sua remissão, permitindo uma actividade diária e um desenvolvimento adequados e, assim, uma boa qualidade de vida. Nesses doentes é necessário a introdução de agentes biológicos.

Da terapêutica biológica disponível para o tratamento das AIJs destaco:

- Os inibidores do factor de necrose tumoral (anti-TNF) como são o etanercept e o adalilumab e ainda o infliximab (este ainda não aprovado para o tratamento da AIJ);

- O inibidor da interleucina-6 (IL-6), o Tocilizumab, aprovado para a o tratamento da AIJ sistémica;

- Os inibidores da interleucina-1 (IL-1), como o anakinra e o canakinumab, também ainda não aprovados para o uso do tratamento da AIJ.

Todos estes agentes biológicos têm um efeito supressor das respostas do sistema imune que são responsáveis pelas muitas manifestações das AIJs. Estes agentes, como os DMARDs, podem levar a uma susceptibilidade maior às infecções e, ocasionalmente, aumentar as enzimas hepáticas, ou até outras complicações muito mais raras, pelo que o seu uso concomitantemente com o abuso do álcool não será recomendado, não só pela toxicidade provocada no fígado, como também pela debilidade física e psicológica provocada ao adolescente consumidor.

Este cruzamento entre o abuso do álcool por parte dos adolescentes portadores de AIJs, coloca-se também aos jovens que apresentam outras DCR, como são exemplo o Lúpus Eritematoso Sistémico Juvenil e a Dermatomiosite Juvenil, que no seu dia a dia fazem uso de alguns destes medicamentos já referidos (como são exemplo a azatioprina, o MTX, a ciclosporina A, os corticosteróides) ou de outros mais indicados para controlo da sua doença.

Claro que existem, em Portugal e em muitos outros países do mundo, estratégias potenciais preconizadoras da luta contra esta problemática do abuso do álcool, em particular neste grupo etário. Existe desde legislação e campanhas a programas multidisciplinares de base comunitária de prevenção do abuso de álcool.

No entanto, é muito importante também que este tema seja abordado nas consultas pelos vários profissionais de saúde que prestam cuidados a estes adolescentes, nomeadamente os médicos assistentes e enfermeiros. As próprias associações de doentes podem ter também um papel importante chamando a atenção sobre este tema e aconselhar os pais e outros familiares; mas a estrutura e o apoio do agregado familiar têm também um papel preponderante nesses comportamentos, assim como o próprio adolescente.

Ou seja, somos todos intervenientes nesta problemática da adolescência, mais ou menos complexa e em particular quando se cruza com a doença crónica, neste caso com a DCR e, sobretudo, com as AIJs por serem as doenças mais frequentes neste grupo, abrangendo um maior número de adolescentes.

 
Médica Pediatra, Secretária Geral da ANDAI – Associação Nacional de Doentes com Artrites Infantis e Juvenis. Assistente Graduada de Pediatria Médica, Responsável pela Unidade de Reumatologia Pediátrica e Coordenadora da Unidade de Intervenção Ambulatória Médica do Hospital de Dona Estefânia- CHLC, EPE. Assistente Convidada da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa. 
 
 

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