Riscos/ Benefícios da Corticoterapia

Foto Dr M Gomes1                           Riscos e Benefícios da Corticoterapia

A descoberta da cortisona em 1935 por Kendall constituiu seguramente uma das etapas mais importantes da história da medicina contemporânea. É certo que a euforia inicial deu lugar, de forma progressiva, a uma enorme controvérsia em torno da sua utilização, como sucede muitas vezes quando os medicamentos surgem no mercado.

Os corticoides que todos nós utilizamos e conhecemos, são análogos sintéticos do cortisol produzido de forma natural pelas glândulas suprarrenais. A sua estrutura básica é composta por quatro anéis de carbono e são pequenas alterações dos seus radicais que permitem obter moléculas, com potência anti-inflamatória e duração de acção, diferentes.

Estes medicamentos também são conhecidos pelo nome de glicocorticóides, mas a sua designação mais corrente é a de corticoides ou corticosteróides (CS).

A prednisona e a prednisolona são os CS mais frequentemente utilizados.

Os efeitos que estes fármacos exercem, são inúmeros. Além de diminuírem a imunidade (são imunossupressores em doses altas) e serem potentes anti-inflamatórios, os CS estão também envolvidos em muitos outros processos de regulação do nosso organismo como, por exemplo, na função do coração e dos vasos, nas respostas ao stress, no metabolismo das gorduras, dos açucares e da água, e na regulação da pressão sanguínea, entre outros.

O grande problema e a fonte da grande controvérsia prende-se com os numerosos efeitos secundários que lhes estão associados.
Complicações como as infecções, a osteonecrose (morte do osso), a miopatia (fraqueza do músculo) são raras para doses inferiores a 10mg/dia de prednisona (corticoide padrão). A utilização de doses baixas pode no entanto, condicionar, se tomados por longos períodos de tempo, problemas de osteoporose, cataratas, atrofia da pele, diabetes ou aterosclerose. É assim importante utilizá-los de forma cautelosa e bem ponderada, tendo sempre em linha de conta a relação risco/benefício. É contudo, necessário realçar que são medicamentos muito importantes para o tratamento das doenças reumáticas, podendo em determinadas situações, contribuir de forma decisiva, para salvar a vida dos nossos doentes.

Quando se deverá então utilizar os corticoides?

Sempre que o seu Reumatologista o sugira. O seu médico terá certamente muito cuidado ao utilizá-los, devendo por isso seguir as suas instruções. Os corticoides são habitualmente introduzidos numa fase inicial, quando a doença se encontra muito activa e o tratamento modificador da doença, introduzido recentemente, ainda não está a atuar adequadamente. Estes tratamentos, como a própria designação sugere, são tratamentos que controlam a doença a longo prazo, mas necessitam em regra, de aproximadamente três meses, para começarem a exercer o seu efeito.

Assim o corticoide dará nesta fase, um contributo importante na diminuição da intensidade da dor e da rigidez.
Outra situação em que se revestem de particular importância, tem a ver com a ausência de resposta do doente, a estas mesmas terapêuticas modificadoras da doença. Infelizmente não dispomos de um medicamento que seja sempre eficaz, pelo que temos de recorrer às diversas terapêuticas alternativas disponíveis. Até encontrarmos esse medicamento que se mostre eficaz os corticoides poderão dar uma ajuda importante no controle da situação, particularmente nas doenças mais graves.

Finalmente, na presença de um envolvimento sistémico (envolvimento do rim, fígado, pulmões) ou de um quadro de uveite, a sua utilização é necessária e reveste-se de grande importância.

Passemos então às regras básicas para a sua correcta utilização nas Artrites Idiopáticas Juvenis (AIJs). Quando existe um envolvimento oligoarticular (menos de cinco articulações envolvidas), preferimos utilizar os corticoides de forma intra-articular, com o objectivo de tentar reduzir os seus efeitos sistémicos.

Assim, a injecção de CS de acção lenta dentro das articulações inflamadas (intra-articular) é então o tratamento de escolha em algumas formas de artrite. Estes CS (geralmente o Hexacetonido de Triancinolona – o mais eficaz de todos) mantêm-se por longos períodos dentro da articulação injectada, tendo por isso um efeito anti-inflamatório local potente e de longa duração.

Quando se torna, no entanto necessária, a utilização por via oral, deve-se sempre que possível, preferir a toma única matinal em detrimento de tomas múltiplas. Desta forma consegue-se, em regra, um bom controlo da doença, com menos efeitos secundários. No período do “crescimento rápido pubertário” devemos reduzir ao mínimo a sua ingestão para que o normal crescimento do indivíduo, não seja afectado.

A terapêutica administrada por via endovenosa deve ser reservada para os momentos de exacerbação (agravamento, crise) pois desta forma, exerce-se um efeito rápido. Quando as doenças são muito graves, muitos médicos preferem optar por doses altas de Metilprednisolona, que é dada com um soro, na veias, lentamente, geralmente uma vez por dia em vários dias seguidos.

Quem toma corticoides deverá ainda saber que não deve interromper a terapêutica de forma súbita, pois se o fizer, estará a correr sérios riscos. A paragem dos corticoides deverá ser feita de forma progressiva para que o corpo se readapte à nova situação.

A interrupção súbita pode condicionar uma crise grave, um quadro de pseudo-tumor cerebral ou de insuficiência supra-renal, que ao não serem correctamente corrigidos, poderão causar a morte.

Por outro lado, em situações de stress (por exemplo num caso de cirurgia ou de traumatismo) a dose deve ser aumentada. Se tiver em linha de conta alguns dos conselhos adicionais, conseguirá contribuir para a redução de alguns efeitos secundários dos corticoides.

Tenha atenção à dieta; restrinja o sal, evite um aporte calórico exagerado (restrinja o pão, doces, e fruta
em excesso) e faça uma alimentação rica em cálcio.

Pratique exercício porque é fundamental para manter não só uma boa massa óssea, como para manter uma boa mobilidade articular e uma boa tonificação muscular e sobretudo, um bom equilíbrio psicológico.

A ingestão de bifosfonatos, medicamentos que impedem/reduzem a reabsorção óssea, pode ser muito importante para evitar uma redução da massa óssea. Isto reveste-se de particular importância, quando se prevê, que o consumo de corticoides será prolongado.

A acne (borbulhas) da cara e tronco pode ser controlado com cremes. Problemas do sono (insónia) e alterações da disposição, com sentimentos de alegria ou tristeza inexplicados, são frequentes. Se o tratamento com CS for prolongado na criança e no adolescente, é frequente a paragem ou marcada redução do crescimento.

As defesas contra as infecções também são alteradas, podendo haver infecções mais graves ou mais frequentes, o que dependerá da extensão da diminuição da imunidade do organismo.

Não esqueça: é fundamental que retire todas as dúvidas, que esclareça todos os medos e receios com o seu médico, para que possa fazer adequadamente a terapêutica.

 

José António de Melo Gomes – reumatologista
(Adaptado de artigo do Boletim ANDAI)

 

 

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